A corrente de ar de uma janela aberta ajuda a disfarçar a baforada quente e o cheiro a bolor de uma sala de trofeus, de onde a história do Sporting Clube da Cruz contempla uma direção empenhada em fazer renascer o clube das cinzas. É ali, indiferente às paredes de tabique antigas, que as infiltrações de água foram pintando, ao longo dos anos, com uma espécie de aquarela abstrata amarelada, que o presidente Hélder Pereira e a sua direção têm deitado mãos à obra para devolver o brilho ao emblema verde e amarelo, que ainda hoje se impõe do alto do portão virado para a Rua da Fonte do Outeiro.
“Não cobramos mensalidade nenhuma a qualquer atleta e os treinadores estão cá em regime de voluntariado. Estamos cá para formar pessoas e trabalhamos maioritariamente com crianças que, à partida, não teriam dinheiro para pagar uma mensalidade e jogar futebol”, atira o presidente, como quem exibe o cartão de visita. “O objetivo principal não é formar atletas, forçosamente, mas pessoas que levem para as suas vidas a noção do espírito de grupo, da comunidade e da entreajuda”, acrescenta.
São diversos os problemas sociais que têm levado o clube a intervir, mas foi com a criação de uma IPSS em 2010 – a Associação Cultural e de Apoio Social do Sporting Clube da Cruz –, que esse papel se acentuou para os lados do Outeiro. “Ajudamos crianças de famílias desestruturadas, de pais presos, ou retirados pela Segurança Social, porque o que não podemos deixar nunca é que aqueles que não podem pagar deixem de ser felizes por não poderem jogar futebol. O que nos faz estar aqui é ver essas crianças sorrir”, explica.
Tem sido graças a apoios financeiros da Câmara Municipal do Porto, da Junta de Freguesia de Paranhos, ou de donativos particulares, que têm conseguido levar a cabo vários projetos. “Fruto dos jovens que frequentam o clube, em 2010 começamos a perceber que havia crianças, nomeadamente do bairro de Contumil, que começavam a jogar futebol em setembro e que chegavam a dezembro, quando saíam as notas do primeiro período, eram retiradas daqui por tirarem negativas. Muitos não tinha retaguarda familiar e eram castigados dessa forma. Ficavam em casa no período seguinte e as notas até tinham tendência a piorar”, conta.
A solução não tardou a ser encontrada: “Alugamos um rés-do-chão com cerca de 200 metros quadrados, fizemos protocolos com a Universidade do Porto e passamos a acolher essas crianças – até à pandemia um máximo de 25 – à tarde, depois das aulas, para estudarem pelo menos 2 horas, lancharem, e irem para o Campo do Outeiro jogar futebol”. A esta iniciativa acrescentou-se um grupo de teatro – já premiado – com a mesma filosofia. “O nosso grupo de teatro não faz deslocações para ganhar dinheiro, desloca-se pelo Norte, mas atua para instituições como bombeiros, ou instituições sociais, que organizam o espetáculo e fazem receitas à custa das suas atuações”, aponta.
Para que o clube consiga manter as portas abertas, a receita até parece simples, quando debitada pela boca de Hélder Pereira: “A nossa maior fonte de receita é o painel de publicidade que temos, que a Câmara Municipal do Porto, em reconhecimento pelo nosso trabalho, isentou de impostos. Representa cerca de 40 por cento do nosso orçamento. Depois, fazemos umas rifas, distribuímos um livro a cada criança, para vender até à Páscoa, com sorteio pela lotaria. A junta de freguesia apoia-nos na inscrição da equipa sénior e no teatro, e ainda disponibiliza uma carrinha para transporte. Para além disso, temos alguns donativos, que nos ajudam a cobrir cerca de 50 mil euros de despesas anuais, que servem para pagar as inscrições na AF Porto, policiamento, água, eletricidade, etc...” Mas não é só o dinheiro que dá dores de cabeça. “Precisávamos de gente para nos ajudar, de fisioterapeutas, treinadores e de pessoas que valorizem este tipo de voluntariado”, apela.
Mas o que não se consegue descolar mesmo é o papel social, que os dirigentes atuais do Sporting Clube da Cruz querem amplificar: “Temos uma candidatura ao programa PARES (Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais) para a construção de um lar para 33 idosos. Já foi aprovada pela Câmara Municipal do Porto a cedência por 30 anos de um lote de terreno aqui ao lado com 1182 metros quadrados, para a construção”. O projeto está orçado em 1,5 milhões de euros, com 85 por cento financiado a fundo perdido. “O Porto é uma das cidades mais carenciadas nessa área, porque não há lares suficientes e as pessoas são obrigadas a deixar a sua cidade. O papel da IPSS passaria por gerir o lar de 33 idosos, que daria ainda apoio domiciliário a mais 40, fornecendo refeições, fazendo limpezas e ajudando na higiene pessoal”, explica. Entre a edificação do novo campo, das instalações de apoio e do lar, Hélder Pereira espera ter tudo pronto até ao final do mandato atual, que termina em 2023: “Assim, o Sporting Clube da Cruz ficaria pronto para continuar a servir a cidade por mais 50 anos”.