Nuno e Tiago Peixoto são os protagonistas de uma história que circulou nas redes sociais e acabou por amplificar um gesto que não passou ao lado das notícias que enchem algumas páginas do futebol distrital. Gémeos de 33 anos e enfermeiros, Nuno e Tiago viram-se obrigados a intervir para assistir um jovem atleta do Gondomar SC que fraturou um braço, no passado mês de outubro, num encontro da Série 7 da II Divisão da AF Porto, em sub-15.
“O nosso pai costuma ir com um tio nosso ver o meu primo jogar. Naquele dia coincidiu não trabalharmos e também acabamos por ir ver o Cristiano”, contou Tiago, que confessou rever-se um pouco no estilo do primo, em campo.
Profissionais desde 2011, Nuno é enfermeiro nas urgências e Tiago nos cuidados intensivos, ambos no hospital de Santo António, no Porto. “No início não nos apercebemos de quem se tinha lesionado, mas vimos o árbitro apressado, a pedir ajuda para o banco e aí percebemos que tinha sido mais grave. Parou logo ali o jogo. Tanto o nosso pai, como o nosso tio, disseram que devíamos ver o que se passava, porque podia ser alguma coisa grave e foi quando nos aproximamos pela linha lateral. O meu tio disse ao árbitro que eramos enfermeiros e ele deu autorização para entrarmos em campo e ver o estado do miúdo. Quando chegamos, vimos o Santiago com o braço deformado e percebeu-se que era uma fratura desalinhada”, resumiu Nuno. “Já tinha trabalhado numa urgência pediátrica em Coimbra, por isso tinha experiência deste tipo de lesões. Percebi que era uma fratura e que precisávamos de alinhar os ossos. Tinha uma fratura do rádio. Tínhamos de tentar fazer o alinhamento e, para isso, a melhor altura era logo após a lesão, porque o atleta ainda estava quente e ia sentir uma dor mínima”, prosseguiu.
Feito o diagnóstico, havia que agir para evitar males maiores e foi o que os gémeos fizeram, assim que conseguiram alinhar o osso. “Foi preciso alguma criatividade, porque na mala dos massagistas havia ligaduras, toalhas, água e pouco mais… Para estas situações era preciso ter um pouco mais de material para dar resposta, mas tivemos a criatividade necessária de, com a caneleira do jogador, conseguirmos fazer a tala para estabilizar a fratura, porque é essencial depois daquela situação. Conseguimos improvisar, se calhar por já termos jogado futebol e nos termos lembrado de uma forma para imobilizar o braço”, descreveu Tiago.
Deitado no relvado, o jovem atleta estava sob o choque da fratura. “Na verdade, o menino ficou um pouco impressionado ao ver o braço deformado pela fratura. Só dizia, ‘ao senhor árbitro, não foi falta sobre mim!’ Ele ali com o braço partido e a insistir com o árbitro que não tinha sofrido falta”, sorriu Tiago. O Santiago ainda tentou levantar-se, mas dizia que não se sentia bem. “A mãe entrou em campo para o sossegar e preferimos esperar pela ambulância para o levar, porque ele estava ainda sob o choque daquilo tudo, o que é normal numa criança da idade dele”, comentou.
Graças à intervenção pronta de Nuno e Tiago, o Santiago acabou por sair de ambulância e não precisou de ser operado à fratura, o que ajuda à recuperação. Quer um, quer outro, rejeitaram a imagem de super-heróis em uníssono. “Isso não, nem pensar! Ficarmos indiferentes era impossível. Agora, rejeitamos essa imagem do super-herói, completamente”, atiraram.
Pelos vistos, esta nem foi a primeira vez que uma situação parecida aconteceu na vida de ambos. “A nossa profissão e até a legislação a que estamos sujeitos, obriga-nos a intervir em situações destas. A nossa missão social obriga-nos a isso. Do ponto de vista legal e pelo código deontológico, somos julgados pelo que fazemos, e não fazemos, dentro e fora do hospital. Socorrer podia ter sido prejudicial para nós se cometêssemos um erro, mas temos a responsabilidade de intervir, seja como for”, garantiu Tiago.
Com os jogadores sob o choque daquilo que tinha sucedido, a equipa adversária acabou por não querer dar seguimento a um jogo que estava a minutos de acabar. Nestas circunstâncias, com o encontro dado como terminado, a equipa de arbitragem convidou os dois enfermeiros a entrar em campo e exibiu-lhes o cartão branco, reconhecendo ali o comportamento de ambos e destacando uma ação determinante para o bem-estar de um interveniente no jogo.
Os jogadores do SC Campo também acabaram por ver, todos, o cartão branco. “Não gosto de me expor muito, mas sinto que é gratificante as pessoas valorizarem isso. A equipa de arbitragem veio ter connosco depois da ambulância seguir viagem, para nos exibir o cartão branco e, sinceramente, não estávamos à espera. Mas a equipa de arbitragem também mostrou o cartão branco à equipa adversária, porque não quiseram continuar o jogo naquelas condições, porque também estavam preocupados com o que tinha acontecido”, recordou Nuno.