Na fachada do Estádio do Tourão, o emblema do Sport Clube Os Dragões Sandinenses não esconde o desgaste do passar dos anos do clube fundado em 1927. Mas foram esses mesmos anos – quase 95 que se festejam em novembro – que fizeram do emblema de Vila Nova de Gaia aquilo que ele é hoje, um clube com “alma”. Esta época, com a subida à Divisão de Elite, a equipa liderada pelo mister Rui Pedro arrastou o clube e levou os seus adeptos a recuperar uma vitalidade surpreendente. “Subimos com ambição, competitividade e com a alma dos Dragões Sandinenses. Foi esse sentimento que ajudou a fazer a diferença em relação a outros clubes. Imagino que já ouviram dizer que cada lance tem de ser disputado como se fosse o último. Mas neste clube, o comportamento, a atitude e o compromisso são tanto ou mais valorizados do que uma boa jogada”, explica o treinador.
A temporada tinha tudo para ser mais uma, sem brilho. A quatro semanas do arranque do campeonato nada estava planeado, o clube sobrevivia à custa de uma comissão administrativa e os meios para atacar a época eram praticamente inexistentes. “Passamos por muitas mudanças, não só ao nível da Direção como da equipa técnica. Chegaram 14 jogadores novos e com tantas alterações não era fácil ter sucesso na primeira época, por isso digo que se excederam as expectativas e em determinados momentos aquilo que vivemos foi mesmo um sonho”, acrescentou Rui Pedro, começando a desenhar o caminho que conduziu os Dragões Sandinenses ao sucesso. “Foi surreal a quantidade de pessoas que nos acompanhavam nos jogos fora de casa. Em casa faziam-nos sentir que estávamos num clube grande, parecia que estávamos noutra realidade. Os adeptos são muito apaixonados. Foi um ano de sonho e de ilusão por tudo o que nos aconteceu, depois de um mau arranque”, juntou ainda.
A pressão do chamado 12º jogador não “permitiu” grandes passos em falso e quando olharam para trás somavam duas dezenas de jogos sem perder. “É fácil dizer que é um clube especial, mas o que é certo é que quem passa por cá fica sempre com carinho pelas pessoas. Aqui há sempre sócios por perto, ou um dirigente. Costumo dizer que o Sandim é o grande de Vila Nova de Gaia, porque estando bem vende camisolas e o estádio tem sempre muita gente. Antes e depois dos jogos é incrível a quantidade de adeptos que se juntam nos cafés. Esta época venderam-se uma centena de camisolas, porque todos se identificam e querem vestir esta pele e isso torna o ambiente especial”, comentou.
O espírito que se viveu nas bancadas tem uma razão de ser para o treinador, que atribuiu a isso mesmo uma grande quota parte do peso que conduziu a equipa à subida. “Aqui os adeptos arrastam várias gerações, temos público de todas as idades e muitos jovens nas bancadas. Mas há duas formas de olhar para o passado: uns dizem que já não conta e que o que conta é o momento. Eu acho que se ele existe foi porque se fez algo grande e isso vai-se transportando de geração para geração. Os avós vão contar aos filhos e os filhos aos netos e isso é que faz os adeptos encarnarem esses valores. Quando se ganha é mais fácil trazer o filho e o neto e fazê-los entender o que são os Dragões Sandinenses”, argumentou.
Mas não é só, porque esse mesmo espírito passou para o balneário. “Temos alguns jogadores do plantel que são de Sandim e isso também nos ajudou a fazer chegar essa energia ao grupo. Alguns encarnam este clube e contagiam os outros. Por vezes nem precisam de falar muito, como o Bruno Gomes, que conhece muito bem a história do clube e a transmite aos outros”, contou. “Mas depois, a atitude em campo tem de corresponder o discurso. Mais do que mil palavras interessa a imagem ou a atitude. Toda a gente fala em mística, depois se são, ou não, capazes de a demonstrar dentro de campo, isso é outra coisa, porque é algo que está ao alcance de poucos. Lembrem-se do Jorge Costa ou do João Pinto. Não era preciso ouví-los para perceber o que era o FC Porto, bastava vê-los jogar para entender isso e passá-lo aos outros”, apontou.
Rui Pedro não esconde que deu por si a desfrutar em muitos jogos, com o apoio das bancadas: “Digo aos meus jogadores que quem quer algo do futebol tem de estar habituado a isto e já lhes tenho dito que não me importava de ter 30 ou 40 mil pessoas numa bancada a chamar-me nomes, porque seria sinal que estava lá. Aqui não temos tantos, mas as bancadas estão bem compostas e é salutar. Por vezes, mesmo a ganhar, bastava um passe errado para pedirem a substituição do jogador, ou ouvir dizer que o treinador não percebia nada. Mas é melhor isso do que treinar um clube em que se olha para a bancada e vemos o pai, a mãe e a namorada e 20 pessoas, das quais dez nem estão a prestar atenção”.
Para o mister, até os treinadores de bancada têm uma razão de ser. “Ouvir pedir a cabeça de um jogador, ou do treinador, só acontece, porque se criou o hábito de vencer nos adeptos. Aqui não dá para brincar ao futebol, é um contexto amador, mas os adeptos exigem como se fosse um contexto profissional. Mas prefiro isto, porque não dá para desligar, ou sentir que o nosso trabalho está feito. Aqui sentimo-nos mais jogadores e mais treinadores, porque o público é a nossa grande força motriz. Desfruto disto, não posso negar, porque parece que estamos numa outra escala. Muitas equipas não têm isto que temos nos Dragões Sandinenses. Nós temos e é um privilégio. Não tenho dúvidas que este Sandim de 2021/22 vai deixar saudades”, rematou.