José Oliveira, treinador do Vila Caíz, revela os segredos que têm permitido à equipa de Amarante desempenhar o papel de “equipa-sensação” da Série 2 do Campeonato Distrital da Divisão de Elite de futebol, ainda que prefira trocar a palavra “sensação”, por “afirmação”, “porque é mesmo disso que se trata”, defende. Mas a performance do Vila Caíz é tal que está prestes a festejar um ano sem perder em casa, em jogos a contar para o campeonato.
A última derrota no seu estádio remonta a 13 de fevereiro de 2022, contra o Águias de Eiriz (2-0). Se vencerem o Lousada, no próximo dia 5, o feito estará mesmo confirmado, porque só voltarão a jogar em casa a 22, frente ao Aliados. Entretanto, ao derrotar o Gondomar SC B (2-1), na 18ª jornada, o Vila Caíz não só festejou o sexto jogo consecutivo sem perder, como subiu ao terceiro lugar da Série 2 e colocou-se a seis pontos do segundo, que permite jogar o apuramento de campeão desta edição.
Com este percurso o Vila Caíz vai lutar pelo apuramento de campeão?
Não é esse o nosso objetivo, nunca foi nosso objetivo subir de divisão, o clube também nunca nos propôs isso. O que não queremos é voltar a passar pelo sufoco do ano passado, em que andamos quase até ao final da época a lutar para não descer. Esta temporada, mediante o bom trajeto que fizemos, depois da conquista da Taça da AF Porto, preparamo-nos melhor. Mantivemos quase o grupo todo da época passada e as coisas têm acontecido.
De qualquer forma, o vosso percurso no campeonato não deixa de ser surpreendente, ainda só sofreram duas derrotas. Como explica essa regularidade?
É uma fórmula que trazemos do ano passado. Perdemos contra o Sousense [à 12ª jornada, em outubro, por 2-0] e contra o Aliados de Lordelo. São as únicas derrotas que temos, mais a derrota da Taça de Portugal, que perdemos no prolongamento com o Amora (1-3), que é só o primeiro classificado da Liga 3. Temos mérito, por aquilo que os jogadores têm conseguido fazer. Mas não lhes vendemos sonhos nenhuns, vendemos realidades e eles acreditam nisso e no trabalho. O que mais me orgulha e me dá um prazer enorme é perceber que muitos dos nossos jogadores se levantam às 6h00 da manhã e vêm treinar às 8h00 da noite e se deitam às 10h30 ou 11 horas da noite para voltar a ir trabalhar no dia seguinte. Somos a única equipa que conseguiu ganhar ao Marco (2-0) até agora, somos a única equipa que conseguiu ganhar em casa do Barrosas (1-0) e a única equipa que quebrou um percurso de uma volta inteira sem perder do Gondomar SC B. Nunca tínhamos ganho ao Gondomar SC na história. É importante acreditarmos uns nos outros e trabalhar arduamente, porque sabíamos que se trabalhássemos podíamos alcançar bons resultados. Mas a verdade é que conseguir aquilo que estamos a fazer no Vila Caíz é como ganhar um título de campeão da Elite.
Em casa cederam apenas três empates em dez jornadas…
Quando cheguei ao Vila Caíz, a equipa não tinha qualquer vitória em casa e era, de facto, o tendão de Aquiles. Ainda vamos jogar fora antes [frente ao Sobrado], mas vamos fazer um ano, em fevereiro, sem perder em casa, o que nos dá um orgulho muito grande. Além disso, com aquela final histórica [venceram a Taça da AF Porto contra o São Lourenço do Douro] na época passada, conseguimos atrair pessoas que estavam completamente desligadas do clube. Agora conseguimos encher a nossa bancada em quase todos os jogos em casa, o que para nós é uma força maior. Também estamos a conseguir coisas muito bonitas fora de casa, que não eram possíveis. Mas não gostamos de criar ilusões nas pessoas.
Até onde é que este dinamismo pode levar o Vila Caíz?
O que queremos é que o clube tenha estabilidade, porque às vezes as loucuras de uma ou duas épocas muito boas causam instabilidade. Queremos que o clube possa proporcionar aos jovens a prática do futebol, do futebol feminino, que também temos, que possam sempre ter essas possibilidades de praticar desporto. Essa é a nossa função. Queremos criar uma imagem de marca, de que as pessoas gostem.
Não se iludem, portanto?
Na nossa série, por exemplo, estão dez clubes que já andaram nos campeonatos nacionais e segundas ligas, inclusive. O Vila Caíz nunca passou da Divisão de Elite e sempre com muitas dificuldades, todos os anos, para se manter nesta divisão, portanto é importante termos esses pés bem assentes. Podemos olhar para o exemplo daquilo que foi o Paços de Ferreira que, numa época consegue ir a uma Liga dos Campeões e no ano seguinte desce de divisão. É preciso mesmo muita atenção a essas realidades. Também temos de valorizar muito aquilo que tem feito a Associação de Futebol do Porto, porque há muita competitividade e nós podemos ser uma espécie de Leicester, como em Inglaterra, porque acreditamos que com trabalho podemos ser um caso parecido.
São mais uma equipa sensação do que outra coisa…
Não queremos ser uma sensação, queremos ser uma afirmação. Mas a afirmação demora anos, precisa de tempo. Só porque ganhámos uma taça e vamos ser recordados toda a vida por este primeiro troféu do clube, não queremos que isso nos tire o foco, queremos ficar pautados pelo equilíbrio que demos ao clube. Isso muitas vezes não se vê em termos de conquistas de títulos, mas é importante também termos essa sustentabilidade. Queremos atrair miúdos, jovens e meninas para o clube, para jogarem e competirem. Queremos que os pais também acreditarem que temos bons intervenientes, bons técnicos, bons diretores no clube, onde apostamos na formação, fazemos cursos de formação de todas as pessoas, eu inclusive, e a minha equipa, porque precisamos todos os dias de evoluir e aprender mais, porque não podemos parar e o futebol é uma constante aprendizagem. Se pararmos vamos estagnar e isso não é o que queremos.
O sucesso que estão a ter não tira o discernimento da realidade?
Exatamente, é mesmo isso. Queremos ter sucesso sem perder o equilíbrio. As pessoas que estão à frente do clube fazem um esforço muito grande para que continue de pé e é esse trabalho que muitas vezes não se vê, porque os clubes vivem com muitas dificuldades. A economia está cada vez mais difícil e toda a gente sofre. Nesta altura, os patrocínios e os apoios são menores e o clube paga água, luz, gás e isso é uma despesa mensal enorme. Não tendo o apoio das autarquias não é sustentável, ao contrário de muitos clubes, onde se sabe que é a autarquia que suporta essas mesmas despesas.
O sucesso que estão a ter não vai desafiar o clube a dar passos maiores? Vai sentir-se motivado até quando? O potencial do clube já não está esticado até ao limite?
Isso é uma realidade de que nós falamos quase todos os dias. Não queremos estagnar. Percebemos que os clubes vão crescendo, mas é um processo que demora e só funciona se as pessoas tiverem paciência. O clube foi muito bem gerido nestes últimos anos e isso motiva-nos. Quando percebemos que as pessoas nos entregam a responsabilidade, neste caso entregaram a equipa sénior à equipa técnica na época passada e deixaram-nos trabalhar. Essa é a maior motivação que tenho para trabalhar.