Motivação e paixão alimentam antigos profissionais no distrital


Uns por amor à camisola, outros porque ainda não conseguiram largar o “bichinho”, ou simplesmente porque aproveitaram para queimar os últimos cartuchos de uma longa carreira no clube da terra que os viu nascer. O dinheiro está longe de ser um fator decisivo, como é lógico, quando se joga num clube dos distritais, mas é substituído pelo orgulho de jogar perante familiares e amigos aos domingos. São inúmeros os antigos profissionais de futebol que jogam nos distritais da Associação de Futebol do Porto, alguns até com carreiras em clubes estrangeiros, e que resolveram abraçar clubes que os levam a prosseguir as carreiras longe dos holofotes. Mas o certo é que todos concordam com o prazer que o futebol lhes continua a dar e não importa ter 20 ou 40 anos, porque é o futebol que ainda lhes alimenta a alma.

“O que me leva a continuar por cá? Sobretudo o facto de me sentir bem fisicamente, capaz e útil. Enquanto tiver clubes interessados, vou continuar”, respondeu José Vilaça, jogador do Aliados FC de Lordelo.

No clube de Paredes há pelo menos quatro antigos profissionais (José Vilaça, Mário Sérgio, Coelho e Wagner) integrados no plantel às ordens de Calica. Mário Sérgio, antigo jogador do Sporting, é o capitão e também ele, como que se ri para o cartão de cidadão. Aos 41 anos ainda anda pelos campos do distrital. “Sinto motivação e o facto de ter tido a oportunidade de representar o Aliados, que é o clube da minha terra, dá-me gozo e uma enorme satisfação”, confessou.

É claro que deixar o futebol não é fácil, para muitos funciona como um verdadeiro vício. É o cheiro do balneário, o convívio com jogadores e treinadores, a adrenalina quando se entra em campo e a rotina dos treinos. É tudo igual, jogue-se numa Divisão de Elite ou numa Champions. As brincadeiras que se possa presenciar não invalidam que se leve tudo a sério. “A mentalidade que tenho leva-me a encarar as coisas como um profissional, tanto a treinar, como a jogar, e acho que é o que devemos fazer, independentemente da divisão em que se jogue. Caso contrário, nem faz sentido andarmos aqui. É claro que no final, temos a obrigação de dar o nosso melhor, mesmo se não formos capazes de jogar bem, mas isso é importante para andarmos de consciência tranquila”, acrescentou Mário Sérgio, no papel de capitão do Aliados.

Mas também há o outro lado, para quem, como Wagner, que representou o Vilafranquense na época passada, chegou ao futebol distrital há poucos meses. “É outra realidade, há mais contacto físico, algumas equipas tentam jogar, mas para mim mudou, é novo, tive de me adaptar a um ritmo e a uma intensidade diferentes”, reconheceu.

Ao cabo de tantos anos, não são poucos os casos em que ficam marcas, quando se coloca um ponto final no futebol. Há quem precise de se ir mentalizando até chegar o dia. Outros nem querem pensar muito nisso para não entrar em depressão. “Tenho vindo a interiorizar que um dia vai ter de acabar. Não acredito que me afete psicologicamente. Talvez não sinta grande coisa nas primeiras semanas ou meses, mas sei que vou acabar por sentir falta do convívio, de sair para os jogos a correr, ao domingo, da rotina dos treinos e das palhaçadas com o pessoal”, comentou Vilaça.

No limite, muitos admitem que se continuarem ligados ao futebol, depois de deixar os relvados, ainda possam aliviar essa carência de alguma forma, como que iludindo os sentidos. “Gosto muito do que faço e sei que me vai custar deixar o futebol, mas faz parte e estou mentalizado para isso. Será o fechar de um ciclo”, reconheceu Mário Sérgio.

No caso do brasileiro Wagner, o futebol foi aquilo que sempre fez, o que o faz ter tendência a dramatizar o ponto final de uma carreira. “Para quem joga há anos, é difícil largar o futebol. É o que eu gosto de fazer, é a minha vida. Fiquei no Aliados e é bom, porque estou perto da família, em casa. Mas sim, vai ser difícil um dia que tiver que largar, vai levar tempo a passar, mas todos nós sabemos que o futebol não é para sempre”, reconheceu, ainda que resista à ideia. “Sinceramente, ainda não quero pensar muito nisso, vou jogando. Mas sim, está a chegar, está próximo. Enquanto conseguir aguentar e ter paixão vou continuar, quando acordar e não sentir vontade paro de vez”, garantiu o extremo brasileiro.