Não há receitas infalíveis, nem equações de matemática que garantam subidas, mas quando o que está em causa é toda a mentalidade de um clube, pior ainda. No entanto, “mudar” revelou-se decisivo e ter a coragem de o fazer mais ainda, porque esses sim, foram os primeiros passos para que o AD Varzéa FC esteja hoje a preparar-se para jogar na Divisão de Honra em 2022/23. Mas a consciência de que essa mudança era essencial partiu da direção liderada por Miguel Brochado, que abordou o Vítor Mota há duas temporadas atrás, para fazer a revolução necessária. “Há dois anos era completamente diferente, a imagem tinha de mudar. Era um clube bairrista, tinha adeptos fervorosos, mas não tinha a mentalidade que nós queríamos. Quando se quer dar um salto qualitativo há coisas que têm de mudar e isso, por vezes, não se faz só no terreno de jogo. Fizemos uma mudança radical, 2020/21 foi um ano zero”, começou por contar o treinador Vítor Mota.
Mexer com tanta coisa numa localidade onde quase todos se conhecem torna tudo ainda mais complicado. “Mexemos inclusive com questões familiares e amizades de muitos anos. Por exemplo, o capitão foi dispensado quando cá chegamos e já cá jogava há dez anos. Era da família de muita gente da direção e de alguns dos adeptos mais fervorosos. Sabia que era um risco mexer tanto, tendo eu aqui a minha família. No início ainda ouvi alguns comentários, mas é normal que isso aconteça no futebol. Sabia que me ia sujeitar a muita coisa e que ia ser difícil. No início perdemos muitos adeptos por causa das mudanças que fizemos. Mas fomos recuperando gente com os resultados que conseguimos. Aliás, nos jogos decisivos foi impressionante o apoio que tivemos”, acrescentou.
Jogar no Várzea mudou, mas custou. “Era extremamente difícil jogar no nosso campo. Era tudo à base do confronto físico, da garra e de um ambiente muito tenso. Davam um grito no balneário e iam lá para dentro como leões. Na segunda jornada [época 2020/21], perdemos contra o Vila do Bispo por 3-0. Já está a ver aqueles olhares de lado para mim e a história de jogo nem tinha tido nada a ver com os 3-0, embora merecêssemos ter perdido. Mas com o tempo fomos ganhando consistência e terminamos bem a temporada e já não havia qualquer dúvida em relação a qualquer decisão que tomássemos, no final da primeira época. A própria envolvência e a grande maioria dos adeptos já nem permitiam contestação, protegiam o grupo de trabalho. Já olhavam com confiança para nós, diziam que sabíamos o caminho que tínhamos de seguir, já não havia dúvidas”, recordou.
Mas conquistar a confiança dos adeptos esteve longe de ser um desafio ganho, à partida. “No meu primeiro ano só treinava contra equipas da Elite, duas divisões acima. Para os adeptos, as derrotas, mesmo nesses jogos, custavam muito, mas tinham de perceber que há momentos em que o adversário é melhor. Havia um drama muito enraizado com a derrota, foi importante os adeptos perceberem que nem sempre é possível ganhar, que os jogadores têm limitações, que estamos numa realidade em que os jogadores trabalham. Tinham dificuldade em aceitar isso. Antes disso, as mudanças na própria direção foram muito importantes, porque eles também eram adeptos, tiveram de se blindar e acreditar nas nossas mudanças, que foram radicais”, explicou Vítor Mota.
Na época que agora findou, o Várzea conseguiu subir à Divisão de Honra, vencendo a Série 2, apenas com três derrotas, e com os mesmos onze pontos que o Aldeia Nova, na fase de apuramento de Campeão. “Senti que podíamos mesmo subir, no jogo em casa com o Várzea do Douro. Não tínhamos derrotas, eles sim, estávamos a três pontos e era o último jogo da primeira volta. Se não ganhássemos, teríamos ficado a seis pontos, mas vencemos categoricamente. Vencemos por 1-0, mas notou-se claramente que lhes anulamos os pontos fortes e percebi que a equipa sentiu muito isso tudo. Os próprios jogadores ganharam ainda mais confiança. Acho que até os adeptos sentiram isso. Fomos sempre a melhor defesa e fomos subindo de rendimento no ataque com o avançar da temporada”, destacou Vítor Mota.
É claro que a temporada que aí vem na Divisão de Honra promete pôr à prova esta nova mentalidade, porque o Várzea aponta à manutenção e… esperam-se mais derrotas. “É verdade que não vai ser fácil gerir emocionalmente jogadores, direção e adeptos, porque vamos ter, claramente, mais perdas de pontos do que tivemos nestes dois últimos anos. Costumamos dizer na brincadeira que temos habituado mal o clube. Mas temos a vantagem do nosso grupo não mexer muito. Agora, é certo que vamos lutar em todos os jogos para ganhar contra qualquer adversário, independentemente do orçamento que possam ter. Mas é claro que sei que não será facíl gerir alguns fracassos, emocionalmente, e que vai ser importante trabalhar a cabeça”, rematou.