Dirigentes fizeram das dificuldades forças e a história aconteceu


As palavras resiliência, solidariedade, união e paixão são hoje as que talvez melhor descrevam o que é a Juventus da Triana, um clube que há um ano esteve à beira de fechar portas. Não fosse o presidente Mauro Monteiro e Rui Silva, diretor desportivo, e poderíamos estar a falar com saudade de um emblema que todos conhecem no Grande Porto. Mas o destino quis que aos 48 anos a equipa de futsal feminino, que vive junto da Areosa, concretizasse o sonho de subir à II Divisão Nacional, apesar das grandes dificuldades com que se debatem para sobreviver. “Jogo aqui desde os 7 anos, tenho 26 – cheguei a jogar em outros clubes –, mas nunca deixei a Juventus da Triana. Sou diretor desde os 16 anos e no ano passado, a antiga direção disse que não conseguia continuar, que não valia a pena, estavam esgotados. Falei com o Rui Silva e decidimos assumir, mantivemos as portas abertas. Não está a ser fácil e vai sendo cada vez mais difícil. Mas acordo e adormeço a pensar nisto”, explica o presidente Mauro Monteiro.

Por cima da sede, numa sala pegada à da direção, a mesa está posta para o jantar que encerra a temporada histórica do clube, que festeja assim a subida à II Divisão Nacional de futsal feminino. “Para as atletas é um prémio, porque elas ainda têm de pagar para jogar. Algumas estão cá há uma dezena de anos, sempre com esse objetivo em mente, e conseguiram este ano. Tínhamo-nos reforçado com o objetivo de subir, conseguimos trazer para cá uma equipa técnica nova e acabou por correr bem, mas com todo o mérito delas, que acabam por fazer história no clube. Mesmo se isso se deveu à desistência de duas equipas que não conseguiram garantir meios para continuar e levou a Juventus da Triana a ser repescada para a II Divisão”, sublinhou.

Esta “lufada de ar fresco” que se respira na Juventus da Triana contrasta com a realidade do dia-a-dia, que faz do clube aquilo que ele é hoje. “Temos de zelar por aquilo que é fundamental neste clube, que é a formação e o suporte escolar que damos às nossas atletas. Muitas vezes, elas vêm para cá fazer os trabalhos de casa, antes dos treinos, e ajudamos nisso. Treinam ao final da tarde, conforme os horários estipulados, entre as 20 e as 22 horas”, comenta Rui Silva, diretor desportivo do clube. Mas ninguém desiste, ou se queixa. “Este clube é assim, se os nossos adversários treinam nas melhores condições, nos melhores pavilhões e nós em pavilhões e em condições bastantes furos mais abaixo, isso leva as nossas atletas a darem mais e a superarem-se. Acho que esse é o segredo do nosso sucesso”, acrescentou.

Além disso, há todo um estado de espírito que se vive no clube. “Temos pais que nos ligam para ver treinos. Entre as atletas acabam por se criar laços e quando param os campeonatos sentem falta disto e para nós é incrível perceber isso. Se me vir na bancada diz que sou tudo menos presidente e as nossas miúdas estão lá no meio a apoiar as jogadoras dos outros escalões”, conta Mauro Monteiro. Aqui todas as atletas se conhecem, das juvenis à seniores. “Muitas vezes temos as juvenis a apoiar as seniores. Todas as nossas atletas juvenis têm uma madrinha nas seniores. Tivemos um jogo da primeira fase de campeã das seniores, que vencemos em casa do D. Aves por 2-0. E no discurso que tive no balneário disse às nossas seniores que as nossas miúdas não têm como ídolo uma Ana Catarina, ou uma Pisco, uma Carla Vanessa, ou uma Janice, que são as melhores executantes femininas a nível nacional. Mas têm como ídolo uma Dani, uma Sofia, uma Flávia, ou uma Kaca. E sei que elas sentem isso. Por isso é que acho que temos tido atletas que recusam sair para outros clubes, lembra Rui Silva.

Agora vem aí a II Divisão Nacional e os desafios prometem aumentar, principalmente ao nível financeiro. “Vamos ter de arranjar outras fontes de receitas para nos ajudar a custear isto tudo. Mas também contamos ter mais ajuda por parte do município, porque se os municípios se vangloriam das equipas do concelho subirem a patamares nacionais, com notícias nos jornais e no Facebook, também tem de existir por parte dessas mesmas entidades, Câmara Municipal e Junta de Freguesia, um maior suporte financeiro para que essas mesmas equipas façam boa figura. Fica mal a uma equipa que ascende aos nacionais correr o risco de descer na época seguinte por falta de apoios, sabendo eles que não temos os mesmos recursos financeiros da grande maioria dos nossos concorrentes. É muita paixão e muita resiliência, mas isso só não chega”, frisa Rui Silva.

As instalações e a frequência de treinos é outra preocupação, mas aí também, a direção do clube conta com a autarquia. “Acredito que a Câmara nos arranje meios para treinarmos mais vezes e em melhores condições, porque na época passada treinávamos apenas duas vezes por semana num pavilhão sem medidas para jogar”, lembrou ainda. Outro objetivo é conseguir a certificação: “Tentamos há dois anos a certificação, não conseguimos, mas isso vai garantidamente acontecer já em 2022/23, pelo menos as duas estrelas. Vai dar-nos uma boa alavanca, vai ser fundamental”.

A II Divisão Nacional ainda está para vir, mas Mauro Monteiro não esconde aquele que é o grande sonho de uma vida. “Era um sonho para mim e para toda a gente chegarmos um dia à I Divisão, mas já foi um feito chegar à II Divisão Nacional. Já temos metido aqui dinheiro do nosso bolso, porque se não fosse assim, não dava, mas também não me ia sentir bem em casa, sabendo que a Juventus de Triana teria fechado. Elas nem sabem, mas é a realidade. Só em transportes gastamos muito dinheiro, porque garantimos transporte a todos os atletas, sem limite de quilómetros. Aqui, com muito pouco conseguimos fazer muito”, comentou, antes de lembra que nem a pandemia travou o espírito do clube: “Lembro-me que na fase do Covid, abrimos a sede para darmos refeições e ajudar as famílias mais carenciadas, duas vezes por semana. Pedimos a cada atleta que nos trouxesse um bem alimentar para ajudar e em vez de um bem alimentar, muitas trouxeram sacos de compras. As portas estiveram abertas para os moradores, enchíamos a parte de cima da nossa sede com gente para comer. Fazíamos a sopa no fogão do café. No final da época de pandemia, a roupa que sobrou foi toda oferecida à Junta de Freguesia. Mas aqui é assim que vivemos, sempre unidos!”