A expressão “andar por gosto não cansa” cabe como uma luva a um punhado de jogadoras de futsal do FC Águias de Santa Marta, que compete no Campeonato Nacional da I Divisão feminina. Para vestir a camisola do clube de Penafiel, a Inês faz mais de 220 quilómetros, quatro vezes por semana, ida e volta, desde Vale de Cambra. A Joana 120, desde Vila Real, e a Olga perto de 200, a partir de Vila Pouca de Aguiar. Tudo, dizem elas, “por paixão pela modalidade”.
Fazer contas aos quilómetros à semana, ou ao mês, só faria arregalar ainda mais os olhos. Mas são vidas vividas em contrarrelógio, porque a vida é preenchida por outras atividades, que vão para além do futsal. “Saio de casa às 7h00, às 7h30 estou a trabalhar. Depois saio às 16h30, dou educação física em Atividades Extracurriculares, das 18h00 às 19h30, alterno com treino de formação, e vou a casa equipar-me para apanhar a boleia para Penafiel. Só chego a casa perto da meia-noite”, conta a Joana. “Comer? Muitas vezes lancho e meto-me no carro”, acrescenta, enquanto recuperava de lesão em cima de uma bicicleta estática.
Tal como ela, a Olga (35 anos), funcionária no Município de Vila Pouca de Aguiar, respira futsal. “O ser humano quanto mais carga tem, mais anda”, atira. “Só descanso à sexta para jogar ao sábado e ao domingo faço recuperação. Já ando nisto há muitos anos. Não sei como vai ser quando acabar para mim. Houve uma fase, em que era mais nova, em que o meu rendimento escolar e até profissional baixava quando não tinha treinos, depois de a época acabar. Sentia-me triste, agora giro melhor as emoções. Mas sou melhor profissional com isto tudo”, acrescenta. Também ela junta à modalidade o facto de estar a tirar o nível 1 de treino na formação, com uma equipa de infantis masculinos, em Vila Real, três dias por semana e ainda tem tempo para fazer atletismo.
Quem anda “prego a fundo” é também a Inês, a mais nova (21 anos), que sai de Vale de Cambra para ir treinar e muitas vezes tem de fazer desvios por Vila Nova de Gaia ou Valongo para apanhar mais umas colegas. “Trabalho numa queijaria, em Vale de Cambra. Faço cerca de 110 quilómetros para cada lado, numa hora e meia, mais ou menos. Estava a trabalhar das 22h00 às 6h00 e em dias de treino entrava à meia-noite. Mas mudei recentemente de horário, agora vou trabalhar das 8h00 às 17h00. É melhor para treinar”, conta, descontraída. “O regresso a casa é o que custa mais. No inverno é pior, porque os dias são mais frios e mais curtos”, comenta. Além do trabalho e do futsal, a Inês estuda, “estou a tirar controlo de qualidade”. A mãe é que já parece estar conformada com a vida da filha. “Diz que o tempo é meu e que desde que não deixe de estudar e trabalhar está tudo bem. Tenho de me organizar bem, mas dá tempo para tudo”, sorri. “Mas os que têm noção da nossa vida chamam-nos tolos”, reconhece.
Numa coisa todas concordam, porque de uma maneira ou de outra, tanta dedicação tem o seu preço. “Sou obrigada a abdicar de muita coisa, da família, dos amigos, de ir ao cinema, enfim, é complicado, porque, para mim, o futsal vem logo a seguir ao trabalho. Durmo 7 horas por dia, mais ao menos, mas aterro completamente quando caio à cama”, conta a Joana. “Se o clube não pagasse a despesa não dava. Agora até me emprestaram um carro, acrescenta a Inês.
Treinos, jogos e, sobretudo, a sede de competitividade levam à superação de tantas dificuldades. “Gosto muito de competir, sem isso não vinha para cá. Treinar e perceber a estratégia, atrai-me muito. Gosto de trabalhar essa parte. Se nos dessem quatro coletes e uma bola não queria. Prefiro o estudo da equipa adversária e de treinar em função disso. Só assim se evolui”, aponta a Olga.
O gozo da bola ainda é maior quando treinam contra os rapazes, passam por eles de “avião”, dão-lhe a bola a cheirar, fintam, e partem para a baliza. “Mas chegaram muitas vezes a dizer-me para largar o futsal, que andava a perder o meu tempo, que era uma maria-rapaz. Ignorei sempre essas bocas. Hoje já não é tanto assim, mudaram”, comenta a Joana. “Claramente, há menos preconceito, mudou muito. Mas as portas fechavam-se muitas vezes, ou punham treinadores menos capazes para as meninas. Não eram exigentes, misturavam-nos com os rapazes para nos entreter”, lembra a Olga, num rápido regresso ao passado. Na cabeça de todas elas está o objetivo de andar entre os cinco primeiros no campeonato e todas concordam numa coisa: “Temos qualidade para andar lá em cima e vamos lutar por isso!”